Existe um universo paralelo na segurança do Rio de Janeiro. Além de policiais fardados, fuzileiros vestidos para a guerra e delegados engravatados que buscam solucionar assassinatos e outros crimes, empresas de segurança – legais e clandestinas – atuam para supostamente coibir a ação de bandidos. Num levantamento inédito, The Intercept Brasil descobriu que elas são controladas, em alta proporção, por quem deveria contribuir, em suas funções públicas, para um ambiente mais seguro. Na prática, quanto pior a segurança pública, melhor andam seus negócios privados.
O levantamento mostrou que uma em cada quatro empresas de segurança e vigilância sediadas no Rio e nos principais municípios vizinhos pertence a agentes de segurança, quase metade deles da ativa — em São Paulo, não é diferente. Há de comandantes de batalhões estratégicos da Polícia Militar e delegados famosos a milicianos, policiais corruptos, torturadores e políticos de renome, como iremos detalhar nesta reportagem.
São pelo menos 162 empresas de segurança, de um total de 638, registradas em nome de 188 policiais militares, policiais civis, federais, agentes penitenciários, bombeiros e inclusive integrantes das Forças Armadas. Só na capital estão 128 delas. Algumas, num aparente esforço de ocultação, estão no nome de familiares próximos, como a mãe ou esposa. É razoável imaginar que haja outras empresas ligadas a agentes da lei, registradas em nome de laranjas, e que não foram identificadas pela reportagem. A lei permite que eles participem de empresas desse modelo, desde que como acionistas, não administradores.
A investigação do The Intercept Brasil também conseguiu mensurar, pela primeira vez, o tamanho da clandestinidade potencial nesse setor. Das 638 empresas de segurança ativas na Receita Federal, apenas 126 possuem autorização da Polícia Federal para operar, conforme dados relativos a março deste ano informados pela instituição para a reportagem. Sem o carimbo da PF — que pede, entre outras coisas, tanto a descrição do uniforme dos vigilantes e fotografias dos profissionais fardados quanto imagens das fachadas identificadas e dos depósitos de armas, — essas empresas de segurança (que representam 80% do total) não podem ter pessoal armado ou cobrar por serviços de segurança.
Embora parte possa estar inoperante de fato, a reportagem encontrou diversos casos de empresas não autorizadas pela PF sediadas em endereços fortificados, protegidos por muros altos, portões de ferro, cercas elétricas, arames farpados, mas sem placas de identificação. Por serem clandestinas, também não possuem site na internet e encontrar o contato telefônico dessas firmas é tarefa complicada. Parte coloca como contato oficial o telefone de escritórios de contabilidade. E como a Polícia Federal é a única instituição com o poder de fiscalizar o setor, o fato de elas estarem fora do radar significa que o governo não se sabe, portanto, quantas armas e munições estão estocadas atrás desses portões nem quantos homens as operam.
No caso das empresas ligadas a agentes de segurança, a proporção de clandestinidade é semelhante (77%). Mas quando o exame se concentra em uma área sabidamente dominada por milícias, a zona oeste, as empresas ligadas a policiais que não possuem autorização oficial para funcionar chegam a 93,5% do total.
O conflito de interesse é a parte mais visível a olho nu nesse iceberg de promiscuidade entre o lado que deveria garantir sensação de segurança e aquele que lucra (ou tenta lucrar) com um cenário de medo generalizado. Onde deveria haver forças se chocando, há forças se abraçando – e escondidas sob um manto de informalidade que abre margem para abusos de difícil identificação. E com armas, poder e influência nas mãos.
Lucrativo, o negócio da segurança privada cresceu exponencialmente no Brasil nos últimos anos. Entre 2002 e 2015, o faturamento nominal da área passou de R$ 7 bilhões para R$ 50 bilhões, segundo dados da Federação Nacional de Empresas de Segurança e Transporte de Valores.
No Rio, esse fenômeno vem crescendo, em ritmo semelhante ao da violência no capital e nos municípios vizinhos. Cerca de um terço das empresas de segurança ativas no Rio foram criadas nos últimos cinco anos. É a mesma proporção do número de agentes de segurança que viraram sócios de empresas do setor no período. Ao mesmo tempo, segundo dados do Instituto de Segurança Pública, o número de homicídios, tentativas de homicídio e latrocínios cresceram 17,7% no Estado entre 2013 e 2017. Na frieza dos números, mais segurança privada não chegou nem perto de melhorar o problema.
Arsenal desviado
Duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), conduzidas pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em 2011 e 2015/16 já haviam verificado a vulnerabilidade das empresas de segurança como fonte de armas para o mercado ilegal que abastece traficantes, milicianos e outros criminosos. Foram mais de 17 mil armas desviadas de empresas de segurança privada no Rio num período de dez anos (2005-2015). No mesmo intervalo, o desvio de armas das polícias civil e militar não chegou a 10% do total que desapareceu da guarda das empresas privadas.
“Isso é preocupante porque não existe nenhum controle da Polícia Federal nessas empresas. Várias fecharam e não sabemos a destinação dessas armas. No relatório, apontamos a necessidade de um controle do material bélico dessas firmas, já que geralmente essas armas vão para o crime organizado”, declarou há dois anos o então relator da CPI, o deputado estadual pedetista Luiz Martins.
Na ocasião, a CPI divulgou a lista das empresas de segurança que mais registraram roubos de armas. Com a verificação dos sócios de cada empresa pelo The Intercept Brasil, surge uma coincidência: as três primeiras empresas da lista estão ligadas a policiais ou a políticos.
A Solidez Segurança e Vigilância, líder do ranking de armas e munições roubadas divulgado na ocasião, é de Fernando Príncipe Martins, ex-comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais, o Bope. Em segundo lugar ficou a Diamante Segurança e Vigilância Especial, que tem como sócio Rodrigo Teixeira de Oliveira, rosto frequente no noticiário sobre a violência do Rio: desde a década de 2000, com breves intervalos, o delegado Rodrigo comanda a Core, a Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil, uma espécie de Bope da corporação. Ele também foi um dos responsáveis pela desastrada operação que prendeu 159 supostos milicianos em abril. Rodrigo tem como sócio um ex-colega da Polícia Civil, inspetor aposentado que figura como administrador da empresa.
E a terceira empresa que mais perdeu armas, segundo a Alerj, foi a Juiz de Fora Empresa de Vigilância. O dono dessa empresa não é policial nem agente de segurança. Mas é amigo de longa data de um dos homens mais poderosos, e ricos, da República: o presidente do Senado, o cearense Eunício Oliveira, do MDB. Nelson Ribeiro Neves foi sócio de Eunício por duas décadas em uma outra empresa, a Manchester Serviços. Em 2011, o senador deixou formalmente a sociedade, depois de a Manchester ter obtido centenas de milhões de reais em contratos com a Petrobras sem licitação quando Eunício já era figura influente no partido, no Congresso e no governo Lula.
A Juiz de Fora nunca teve Eunício como sócio. Mas ambas as empresas sempre atuaram como irmãs, inclusive dividindo o mesmo endereço em Brasília e no Rio de Janeiro. Não é a única empresa da família no universo da segurança privada no Rio. Os Neves tem ainda no portfólio a Trupp Segurança, também conhecida como Trust Segurança. Ela está em nome de Rodrigo Castro Alves Neves, filho de Nelson e co-herdeiro das ações de Eunício Oliveira na Manchester.
Ligações com Eduardo Cunha
Um nome já destacado no folclore dos crimes de colarinho branco nacional também aparece, ainda que indiretamente: Eduardo Cunha.
Na avenida Paulo de Frontin, está uma empresa de segurança de um empresário apontado como beneficiário privilegiado de contratos no governo do Rio com ajuda de Cunha, quando ele ainda presidia a extinta Telerj, companhia telefônica estadual. Foi uma das primeiras suspeitas de corrupção na carreira política do ex-deputado, hoje preso em Curitiba.
Uma outra empresa que aparece conectada a Cunha é a Dinâmica Segurança Patrimonial. Ela é citada, junto com seu sócio, Edson da Silva Torres, no inquérito da Operação Cui Bono, uma das fases da Lava Jato. Uma troca de mensagens entre Eduardo Cunha e o ex-ministro Geddel Vieira Lima indicou uma ação do deputado em favor da Dinâmica, além de apontar que Torres teria como sócio oculto o Pastor Everaldo, presidente nacional do PSC, candidato à Presidência da República em 2014, aliado de Eduardo Cunha e um dos líderes da Assembleia de Deus no Rio de Janeiro.
De fato, como verificou The Intercept Brasil, um outro sócio de Edson Torres na empresa, Adão de Jesus Rabelo de Almeida, é pastor da Assembleia de Deus. Não para aí. Um dos filhos do pastor Everaldo, Laércio Pereira, advogado do PSC, trabalhou durante 10 anos na Dinâmica Consultoria em Construção Civil e Incorporações, que também tem Edson e Adão como sócios.
A Dinâmica não consta entre as empresas com autorização da Polícia Federal. No endereço da Dinâmica há agora uma placa com o nome GAS Vangarde Segurança e Vigilância. Há movimento de pessoas entrando e saindo pelo portão eletrônico, muitas delas de terno. Um ex-segurança da empresa relatou ao The Intercept Brasil que andava armado e que deixou a empresa, segundo ele “falida”, porque parou de receber. Embora tenha sede própria, com identificação adequada, ela também não tem autorização da Polícia Federal para garantir a segurança dos cariocas.
Bico de empresário
Mas o exército privado da segurança no Rio de Janeiro é comandado, essencialmente, por agentes de alto e médio escalão que, enquanto têm acesso a dados e informações estratégicas sobre o que acontece nas ruas da capital e região metropolitana, captam uma clientela que não se importa em contar com a expertise de quem enfrenta e investiga a criminalidade de grande porte do Rio – e em pagar caro por isso. Não é difícil imaginar que seja mais fácil para um delegado bem ranqueado na Polícia Civil conseguir clientes do que um pequeno empresário que resolveu apostar na aventura de abrir uma empresa de segurança numa cidade loteada entre traficantes e milicianos, como é o Rio de Janeiro.
O alto escalão está presente no universo da segurança privada também entre os quadros da Polícia Militar. E chancelados pela Polícia Federal, que concede autorização para PMs e delegados da ativa comprarem armas e munições para repassar a grupos de homens armados coordenados por eles nas ruas do Rio ou de qualquer outra cidade do Brasil.
Em janeiro deste ano, um coronel da PM, Robson dos Santos Batalha, foi indicado interinamente para o cargo de secretário de Administração Penitenciária do Rio. Quando assumiu a secretaria, Batalha já era havia dois anos um dos sócios de uma das empresas de segurança mais estreladas do Rio de Janeiro: a Azos Vigilância e Segurança. A página da empresa na internet dá uma dica: a Azos “é uma empresa formada por profissionais com mais de 30 anos de experiência na área de prestação de serviços de segurança”. No caso, a prestação de serviços era como comandantes de batalhões estratégicos do estado. São três coronéis da reserva da PM na empresa, além de Batalha. Eles comandaram quartéis em Copacabana, Ilha do Governador, Santa Cruz, Nova Iguaçu, entre outros.
Até mesmo policiais ligados às Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, queridinhas de anos atrás e hoje mais uma política fracassada, aparecem entre os donos da segurança privada no Rio. Operando sem autorização da Polícia Federal, Daniel Rosa Teixeira é capitão da PM, da ativa, e já comandou as UPPs do Morro dos Prazeres e do Turano. Um de seus sócios é um soldado, também atuante em UPPs. Em outro caso, Rogério Seabra, que foi coordenador das UPPs, abriu em agosto de 2016 a Ogvig Segurança e Vigilância, já atuante com a chancela da Polícia Federal. Seabra, no entanto, já estava aposentado quando foi para o setor privado.
Na segunda CPI das Armas da Alerj, quando veio à tona a informação fornecida pela Polícia Federal em março de 2016 de que as empresas de segurança em atividade no Rio de Janeiro, de forma legalizada, tinham um arsenal de 58.476 armas sob seu poder e que mais de 17 mil delas desapareceram, um dos policiais ouvidos para ajudar os deputados a entender o fenômeno foi o delegado Rafael Willis. Ex-titular da 16ª DP, da Barra da Tijuca, o delegado é cidadão benemérito do Rio de Janeiro. Seu feito de maior destaque foi ter sido titular, até 2017, da Coordenadoria de Fiscalização de Armas e Explosivos da Polícia Civil.
Foi nessa condição que ele prestou depoimento à CPI das Armas, em novembro de 2015. Ele não contou aos parlamentares que, ao mesmo tempo que era o responsável por fiscalizar armas no Rio, também era sócio de uma empresa de vigilância aberta em outubro de 2013 junto com um cunhado e com outro rosto famoso do universo policial fluminense: o delegado Carlos Augusto Nogueira Pinto.
Assim como Willis, Nogueira Pinto ganhou notoriedade como delegado titular da região da Barra da Tijuca, responsável por investigar crimes que vitimaram, ou foram praticados, por moradores de uma das áreas mais valorizadas do Rio de Janeiro. Ainda na ativa, Nogueira Pinto é comentarista de segurança do SBT local e concorreu a prefeito de Nova Iguaçu nas eleições de 2016, filiado ao PSDB. A empresa dos delegados tem autorização da Polícia Federal.
Segurança como palanque
Há outros filiados a partidos políticos que buscam ascender na carreira política e que também atuam no mercado da segurança. O secretário municipal de Segurança de São Gonçalo é um exemplo. O delegado Jorge de Albuquerque Maranhão concorreu a vereador nas duas últimas eleições, sem sucesso. Uma pelo PSDB, outra pelo PSDC. Sua empresa de segurança, a Interseg, fica no mesmo município onde é o responsável por manter a ordem.
Outro caso que chama a atenção tem acesso privilegiado ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella. Filiado ao mesmo partido do prefeito, o PRB, William Olinda Sodré é tenente-coronel da PM e desde o início da gestão Crivella ocupa o estratégico posto de coordenador da Casa Militar da prefeitura. Divide com o filho as ações da Confidence-Will Segurança e Vigilância, aberta em 2007, quando Sodré era ainda major, e que opera regularmente, com autorização da Polícia Federal.
Mesmo a Polícia Federal também tem integrantes de peso tirando um dinheiro extra como empresários da área de segurança. Um desses casos é o de um dos delegados federais mais destacados do Rio, responsável pela segurança do Papa Francisco na visita dele ao Brasil e ex-titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes. Victor Cesar Carvalho dos Santos tem empresa de segurança desde 2000. Foi alvo de inquérito na própria PF por uso de laranja, já arquivado. Fechou a primeira empresa e, em 2010, abriu outra. Nessa, ele é sócio de outro delegado da PF, também ex-chefe da DRE, Alfredo Dutra da Silva Neto. Também integram a sociedade um agente da Polícia Federal e outras duas pessoas. No mesmo endereço está registrada uma outra empresa de segurança, esta sem aval da PF, em nome de um sócio de Santos na sua primeira empresa.
Um ano depois de criar a empresa, o delegado foi visitar na prisão o miliciano Marcos Vieira de Sousa, o Falcon, acusado de comandar um grupo paramilitar em Madureira e Oswaldo Cruz. Na época, o delegado justificou-se dizendo que “conhece o Falcon há muito tempo”. “Inclusive, fizemos uma grande investigação a partir de uma informação que ele nos trouxe”, disse à época. Falcon, que é ex-presidente da escola de samba Portela, foi assassinado em 2016 por um outro miliciano.
As milícias, como não poderia deixar de ser, também deixam suas impressões digitais no exército privado do Rio. Conhecido como Pitbull, Marcelo Pereira Menigette Paulo comandava a milícia Águia de Mirra, na região de Guadalupe e Pilares, e foi condenado em 2010 a dez anos de prisão. Cumpriu pena em presídios federais de segurança máxima em Campo Grande e Porto Velho. Em 2014, retornou para Bangu 6. Em julho de 2015, ele abriu uma empresa de segurança junto com o irmão, a Pereira Vigilância Privada, em Guadalupe, onde comandava milícia. A empresa tem como sede oficial um apartamento e não tem autorização da PF para funcionar.
Banda Podre Segurança SA
Na lista de agentes de segurança, há também policiais aposentados e envolvidos em práticas no mínimo controversas quando vestiam a farda cinza escuro da PM fluminense ou portavam os distintivos da Polícia Civil.
The Intercept Brasil identificou, por exemplo, o caso de um policial envolvido com o jogo do bicho, condenado por tortura de presos e que, ainda assim, possui autorização da Polícia Federal para operar segurança privada. Isso é possível porque a empresa está no nome de sua esposa – a PF veta a papelada para sócios com antecedentes criminais. Trata-se da empresa Fe Vigilância e Segurança. Aberta em 2013, tem como única sócia Marcia Daniels de Souza Sampaio, que é casada com o policial civil Eduardo Murilo Dantas Sampaio, conhecido como Comissário Dudu.
O policial foi preso em 2011 por suspeita de recebimento de propina para abafar investigação contra máfia do jogo do bicho. Foi acusado junto com Anísio Abraão, um dos maiores bicheiros do Rio e presidente de honra da Beija Flor. Antes disso, em 2004, já havia sido condenado a 17 anos e meio de prisão. Ele, um delegado e outros agentes foram sentenciados por tortura de presos para que admitissem participação em uma chacina em Duque de Caxias.
Situação semelhante acontece com uma outra empresa, aberta duas semanas antes, em janeiro de 2013. Responsável pela Viking Segurança e Vigilância, Monica Pimentel Cinelli Ribeiro é casada com Oswaldo Luiz Pacheco Ribeiro, coronel da reserva remunerada da PM. O coronel, por sua vez, aparece em grampo feito contra o ex-desembargador José Eduardo Carreira Alvim do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, pedindo para que o policial fizesse uma varredura contra monitoramento de seus telefones. Carreira Alvim é processado por corrupção e formação de quadrilha por participação em esquema de venda de sentenças no Rio. Por conta da acusação, que está pronta para ser julgada pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, Carreira Alvim foi aposentado compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça. A empresa também tem autorização legal da Polícia Federal para funcionar.
Em outro caso, três PMs aposentados, sendo dois coronéis, criaram uma empresa de segurança em 2012, chamada BJF Segurança e Vigilância. Um deles foi analista de inteligência da PM e chefiou unidades importantes da PM. Outro foi comandante do 1º BPM, do Estácio. E o terceiro foi o major responsável por libertar do cativeiro o pai de Romário, ex-jogador e hoje senador. Em 2004, esse policial foi afastado do cargo de subcomandante do 15º BPM, de Duque de Caxias, um dos batalhões responsáveis pelo maior número de mortes pela polícia no Estado, depois de denúncias de que policiais do batalhão cobravam propina para liberar veículos em situação irregular. A exemplo das outras, essa empresa também opera com autorização da PF.
Na Polícia Civil, uma das empresas que constam como ativas na Receita Federal mas sem autorização da PF para operar é a Olecramtelecom Assessoria, Monitoramento e Investigação. Um dos sócios é o inspetor aposentado Alfredo Silva Neto, preso por extorsão em 2013 ao se passar por agente da Polícia Federal, junto com seu sócio na empresa, para extorquir um empresário na Barra da Tijuca.
Nem os milicos escapam
A identificação de policiais envolvidos com empresas de segurança é trabalhosa. A investigação do The Intercept Brasil partiu de duas bases centrais de dados: empresas cuja razão social registrada na Receita Federal continham os termos “segurança” ou “vigilância”. Depois disso, foi feita uma depuração para eliminar da lista todas aquelas que, apesar do nome, não tinham relação com atividades típicas de segurança – por exemplo, “segurança do trabalho”, “segurança de piscinas”, entre outras. Em paralelo a essa lista, a Polícia Federal forneceu a lista atualizada de empresas especializadas que tinham autorização do órgão para operar. Algumas empresas residuais, que não estavam na lista inicial, apareceram nesse segundo lote de informações. A partir disso, foi feito um trabalho de semanas de verificação dos sócios de cada uma das 638 empresas encontradas.
Embora com presença bem menos marcante do que de policiais militares e civis, entre os sócios de empresas de segurança há também integrantes da ativa e da reserva das Forças Armadas. No Exército, a reportagem identificou quatro coronéis da reserva. O tenente-coronel da Cavalaria Armando Pacheco dos Santos Júnior é sócio de empresa com autorização da PF, a Brasil Forte Vigilância. Da Marinha, aparecem os vice-almirantes Antonio Carlos Frade Carneiro e José Geraldo Fernandes Nunes. Em comum, ambos comandaram o 9º Distrito Naval, na Amazônia.
Conflito de interesses
The Intercept Brasil procurou a Polícia Federal, a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, a Polícia Civil e a Polícia Militar para que comentassem os dados descobertos na reportagem. Para todas elas foi enviada uma mesma pergunta: a instituição considera que há conflito de interesses no fato de policiais da ativa serem sócios de empresas de segurança privada?
Nenhuma respondeu objetivamente. A Secretaria de Segurança Pública disse que não iria comentar o caso. As polícias Civil e Militar, vinculadas à secretaria, nem sequer responderam.
No caso das polícias, ainda foi enviada uma outra pergunta, também sem resposta: “A Polícia Militar/Civil/Federal tem um controle próprio sobre policiais que detém participação acionária em empresas de segurança privada? Em caso positivo, existe algum tipo de restrição para esse tipo de relação? Qual(is)? Em caso negativo, qual a razão da inexistência de controle?”
De novo, sem resposta.
A única instituição que se manifestou oficialmente foi a Polícia Federal, para quem também foi dirigida a seguinte pergunta: “A Polícia Federal enxerga alguma impropriedade no fato de integrantes da PF se beneficiarem de autorizações comerciais aprovadas pela própria instituição da qual fazem parte?”.
A resposta da instituição foi que “é vedada aos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais a participação em gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário” – o que, na visão da instituição seria o caso geral: policiais acionistas, mas não administradores. “Caso verifique-se a eventual infração por parte de servidor da Polícia Federal, o órgão apurará os fatos na forma da legislação”